Adeus, querida Quebrada

16 03 2017

Tchau, apê…

Mês passado despedi-me do meu velho apartamento no bairro Concórdia, ao qual eu havia carinhosamente apelidado de “Quebrada”. Apesar de hoje morarmos em um bem maior e mais bem localizado, foi uma sensação estranha ver aquela caixa de fósforos tão querida vazia e cheia de sujeira pelos cantos.

Poderia ser só um apego sem sentido se me mudar para aquele pequeno apartamento sem vaga de garagem não tivesse significado uma ruptura com a minha zona de conforto e um passo que me exigiu muita coragem para vencer todos os “e se?” que aparecem quando você não é o tipo que se joga em desafios.

Não é porque é confortável que deve ser eterno.

Eu tinha uma vida relativamente confortável e protegida na casa dos meus pais, onde nem contas eu pagava (sim, isso é feio). Meus pais nunca me proibiram de ir e vir, receber pessoas em casa ou coisas do tipo, mas EU me sentia sem lugar. Além disso, por ser o tipo de pessoa que não faz muita questão de ficar na sala papeando, mas prefere ficar quieta no quarto lendo, ouvindo música, assistindo qualquer coisa ou mexendo no computador, eu contrastava radicalmente com o resto da família – e isso não passava em branco um dia sequer.

Tinha muito tempo que eu planejava morar sozinha, mas os “e se?” da vida viviam me segurando. E se eu perder o emprego no dia seguinte? E se eu não conseguir pagar as contas? E se eu não der conta de cuidar da casa? Eu procurava apartamentos na internet e procrastinava uma decisão, enquanto ia acumulando coisas em caixas e prateleiras e dicas de decoração nos Favoritos do computador.

Lá vamos nós.

COMO NOS CONHECEMOS: Tinha um prédio na rua Jacuí que eu sempre olhava. Um dia, conheci uma amiga de uma amiga que morava lá e ela disse que era confortável, era legal. O tempo passou e um dia eu estava caminhando na região quando olhei para ele e vi uma placa de “Aluga-se” lá no alto. Para minha sorte, a chave estava na portaria e eu pude visitá-lo.

Era exatamente o que eu precisava: dois quartos, sala, cozinha, área de serviço e banheiro espaçoso, em um prédio bem localizado e com portaria 24 horas. Não tinha vaga na garagem, mas tudo bem, eu até hoje não tenho carro mesmo. Melhor ainda, o prédio aceitava animais e o aluguel somado ao condomínio cabiam no meu bolso sem problemas.

Para mim, que acredita que o mundo te dá sinais de que alguma coisa é para acontecer, esse era o definitivo – então comecei, em segredo, o processo para me mudar para lá.

Quem diria que isso se tornaria inesquecível?

Muita burocracia depois, lá estavam eu e meu pai num sábado de manhã, dia de jogo da Copa do Mundo de 2014 e véspera de Dia dos Namorados, descarregando um caminhãozinho com trouxas de roupa, dezenas de livros, DVDs e CDs e alguns móveis de quarto, que eram tudo que eu tinha.

Uma semana antes, minha irmã me ajudou a dar uma faxina pesada no lugar, que ficou anos fechado. Uma semana depois, quando as telas foram instaladas, meus gatos Bruce e Maria Biscoita se mudaram também. Me faltavam ainda geladeira, mesa, sofá, estantes para todos os meus livros e bibelôs, e uma cama maior, porque a minha ia ficar para o meu filho.

FILHO FRIENDLY: Ele, inclusive, foi um grande motivador da minha decisão. Ele estava crescendo e eu achava que ele merecia ter uma casa só dele e eu merecia ter mais liberdade para ser a mãe que eu queria ser. Como eu não tenho carro, a escolha daquele prédio também foi pensada para eu ficar perto da casa da avó dele, onde ele passava a maior parte do tempo, e poder me deslocar a pé para pegá-lo.

Com o tempo, foi ficando a minha cara.

No apartamento ele ganhou um quarto e espaços, um playground, dois gatos para brincar quando quisesse e mais tempo de qualidade comigo. Quem tem filhos sabe o quanto cada minuto conquistado nesse sentido tem valor. Podíamos ir a muitos lugares facilmente a pé e até passamos a andar mais juntos de bicicleta, porque tinha bons lugares pra isso nos arredores e era fácil chegar, já que a casa era ao lado.

Nossa casa era simples, mas meu objetivo foi alcançado – ele até hoje lembra (e conta para todo mundo), por exemplo, que nossa primeira refeição na casa nova foi pizza e que eu comi minha parte na caixa, porque eu só tinha um prato, que dei a ele.

A geladeira e o fogão eu ganhei da família e o resto dos móveis e utensílios fui garimpando, usando toda a paciência que eu não tenho e precisei arrumar. Como resultado, montei minha casa como eu sempre quis: com cada canto espelhando meus gostos, minha personalidade, minhas lembranças mais queridas – e ainda por cima prática e fácil de limpar, hahaha.

Morei lá por quase três anos. Fui muito feliz. Aprendi muito – desde a quantidade certa de comida para comprar e fazer para uma pessoa só, até lidar sozinha com chatices como ter que brigar por serviços que você precisa. Aprendi a me organizar, a contratar e cancelar serviços, a cumprimentar vizinhos legais e lidar com os pegajosos, a perguntar e pedir permissão antes de usar os espaços do prédio, descobri o ciclismo.

Também se aprende muito sobre valorizar o próprio espaço: ter minha casa não significa transformá-la num dormitório alheio ou salão de festas. Teve gente que sequer soube que eu morava sozinha, muito menos foi convidada para me visitar, porque sempre considerei minha casa sagrada, um porto seguro, onde renovo minhas energias. Não é qualquer um que pode entrar.

Minha vista, diariamente.

Hoje não moro mais sozinha, mas estou certa de que se tivesse saído da casa dos meus pais direto para onde estou agora, nas condições que vivo agora, as chances de dar tudo errado seriam enormes.

Morar sozinho me transformou em uma pessoa melhor, fortalecida. É uma experiência enriquecedora que todo mundo deveria poder experimentar um dia. De preferência, em um lugar grande o suficiente para ter cara de casa própria, mas pequeno o necessário para te fazer se sentir aconchegado.

Tchau, Quebrada… espero que outra pessoa seja feliz aí como eu fui.


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